terça-feira, 29 de julho de 2014

DRUMMONICES - AO AMOR ANTIGO


O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
a antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.
(Carlos Drummond de Andrade)



domingo, 27 de julho de 2014

CONHECENDO NOVOS POETAS: Valéria Tarelho

Perdas irreparáveis, escritores insubstituíveis nos deixaram neste mês.
Existem tantos outros que não gozam de tamanha notoriedade, mas que são muitos talentosos.
Nesta semana o Puxadinho descobriu Valéria Tarelho.



Valéria Tarelho, natural de Santos/SP (1962), residente em São José dos Campos/SP, separou-se da advocacia devido a um caso com a poesia. Seus primeiros escritos datam de abril de 2002.

Blogs:
pé de poema :http://impurapoesia.blogspot.com.br/

proseares (com Sidnei Olívio):http://proseares.blogspot.com.br/

EU TE AMO (EU ACHO) - Valéria Tarelho

eu te amo
torto errado do avesso
te amo acelerado
a mais de cem
na contramão
amo-te
porque és contravenção

eu te amo
do meu jeito imperfeito:
te amo sim
te amo não
te amo sei lá como
e por que não?

eu te amo
por vício
ócio
tédio
tentação
e te amo por preguiça
porque não tem remédio
e o perigo me atiça

eu te amo
por tabela
pelas beiras
nas quebradas
ribanceiras
juro que te amo
por puro ataque de bobeira
e por qualquer bagatela

eu te amo
anti-horário
em outro fuso
fora de orbe
te amo desnorteada
sem rumo
entregue à sorte
de amar-te fora do prumo
(devolve o Norte da minha bússola!)

eu te amo
vassala
gueixa
escrava
te amo sem queixas
sem mágoas
sem receber minha paga
em amor
(quer saber? eu te amo mesmo 
é prestando um favor!)

eu te amo
no outono, os ramos secos
no inverno, o gelo
na primavera, os espinhos
no verão... ah! no verão
não te amo não:
você é liquefacto
e te amo pedra no meu sapato

eu te amo
másculo
rato
inseto
te amo só de longe
(que, de perto, sinto asco)
te amo, também, porque não presto

eu te amo
fração ordinária
te amo logaritmo
(só porque o nome é feio)
eu meio que te amo
porque inteiro é excesso
e você escassa
por isso te amo a falta
o pouco
o naco de nada

eu te amo
por um ano a fio
(que a vida toda é um saco)
te amo parco
(que muito é porre)
eu te amo
como quem morre de infarto

eu te amo 
fora dos trilhos
dos eixos
de tudo que se encaixa
e se completa
e te amo aos solavancos:
soluços são estribilho
no meu poema manco

eu te amo
emralhabado
sopa de letras insossa
palavras cruzadas
sem banco de respostas
te amo assim:
destemperado
complicado
e tosco

eu te amo
muito mal e sem igual
de um jeito diferente:
sem cor, ação, som
e te amo mais
quando você mente, coração

eu te amo
andarilho
maltrapilho
esfarrapado
(convenhamos,
você é lindo engravatado:
fora do meu padrão)

eu te amo
como uma frase feita
um dilema
um estratagema:
digo que te amo
como quem não ama
e amando, não amando
vou à luta armada
deixando-te na dúvida

eu te amo
o modo inacabado
impaciente
debochado
amo quando calas o que sentes
amo, ainda, quando engulo
orgulho e grito

eu te amo
ou finjo
invento
inverto os fatos?
(há tanto tempo minto
que nem sei no que acredito)

resumindo:
eu te amo
(se não me engano)
e duvido
que outra tonta
te ame tanto



quarta-feira, 23 de julho de 2014

FINIS OPERIS

Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver."
          
          (Ariano Suassuna)

sábado, 19 de julho de 2014

FINIS OPERIS

    No Puxadinho, o início da escalada (entenda-se: da leitura de "A Montanha Mágica", de Thomas Mann) se deu à altitude habitual e teve seu mais longo trajeto percorrido ao nível do mar, na simpática Morretes, numa simplicidade que contrastava violentamente com a opulência e requinte em que se encontrava a personagem Hans Castorp. 
    Enquanto ele vivia experiências incríveis em meio a um conforto absurdo, enrobustecido por cinco refeições, vivíamos as deles numa simplicidade que beirou à penúria voluntária (uma necessidade nossa que quase ninguém compreendeu), fazendo apenas uma refeição matinal (valia por três, não há como negar), enclausurados não num requintado compartimento de sacada, mas, sim, numa simples e aconchegante cabana, na qual, em meio a sustos, risos e abundante choro, devoramos umas quinhentas páginas. E apesar das antíteses todas - ele subiu ao Alpes Suiços, nós descemos à encantadora Morretes; nós vivemos de maneira absolutamente... comedida e ele na mais absoluta fartura - nosso retiro foi tão extraordinário quanto o dele. E justamente por causa dele.
    Ao chegarmos à estação para voltar a Ctba (ao menos isso tivemos em comum: chegamos ao nosso destino e dele partimos de trem), apesar de a vida "normal" da "planície" invadir nosso descanso com a volta dos sinais de telefonia e internet, a espera da litorina rendeu a leitura das melhores cem páginas da vida.
...

    E demoramos mais de uma semana para concluir as quase noventa páginas finais porque, como afirmam todos os clichês e chavões de leitores aficionados, estava difícil aceitar a ideia de que estávamos prestes a nos separar de Hans Castorp. 
    Mas, tudo tem um fim.
   Concluímos hoje a leitura "do último romance filosófico da humanidade" e nos despedimos com mais lágrimas e aplausos (ao autor, sobretudo) de Hans, o "filho enfermiço da vida". E aqui do alto contemplamos, com o coração apertado, já saudoso, a grandiosidade de uma das melhores obras que já lemos.


Pessoalizando de vez: Como dirão os parças mais chegados, "já pode morrer, então, Pedrina... kkk" Não, sem reler o livro. :P Mas isso fica daqui outros vários capítulos da minha vida (que seja longa!). Adeus por hora, Hans Castorp. :'(

"Vamos à história dos subúrbios!"

terça-feira, 8 de julho de 2014

FOI-SE A COPA?

Foi-se a Copa? Não faz mal.
Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.
Faltou inflação de pontos?
Perdura a inflação de fato.
Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.
O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
A Copa da Liberdade.


(Carlos Drummond de Andrade)

Publicado no Jornal do Brasil de 24 de Junho de 1978