domingo, 24 de agosto de 2014

"Interdição" no Puxadinho

61 postagens em 2014... Um recorde! Chega o momento de dar uma de nossas longas pausas para reavaliar nossa trajetória. Voltaremos e com novidades.

Abraços fraternos!

MAS HOJE, DESCULPA PEDRO, É DIA DE PAULO NO PUXADINHO

Porque, hoje, Leminski completaria 70 anos... Por acaso ele compôs algum poema ruim? O Puxadim não achou, então, vai este que é o que há.

Amar você é coisa de minutos…
Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui

TEXTO ESCRITO PARA PEDRO JOSÉ NO DIA DOS PAIS

Não costumo gostar dos textos que escrevo. Mas este tem um grande valor sentimental e passou pelo crivo de um dos meus maiores críticos (pasmei!). Que a forte intertextualidade com textos bíblicos não escandalize ninguém. O apóstolo é uma das minhas grandes inspirações. E do Pedro José também.

"Dia de Pedro no Puxadinho.

Em verdade te digo, Pedro, que nem antes, nem depois de o galo ter cantado eu te neguei. Sou tua cara escrita e escarrada e que bom! Ausenta-te mesmo assim de mim, pois sou pecadora, pai. Mas se quiseres me lavar os pés, pra que contigo eu tenha parte, lava-me por inteiro com tua alegria pagã.
Quo Vadis, Domine?
Diga-me e irei atrás. Quem sai aos seus... como eles degenera.
Vamos à Roma, pois boca temos e falamos pacas. Sejamos atados para que nos levem onde não queremos. Crucificados juntos e faceiros vejamos, de cabeça para baixo, esse mundo... sumir.
Pois antes, ao andar sobre as águas e quase afundar, tu me estendeste teu braço forte, o teu braço esquerdo, e me disseste: "pequena desgarrada, mulher-menina-pirralha de pequena fé... por que duvidaste?" E eu pensei, "duvidei de mim porque, no fundo, no fundo, sabia que podia confiar em ti, Pedro, pra me trazer à superfícialidade." 
Se um filho eu tivesse, teu/meu nome daria e a outra criatura transmitiria o nosso legado, mas... tamu juntu, Machado.
Todo dia é dia de Pedro, porque todo dia Pedrina acorda e o entrevê no espelho...
"Em verdade te digo, tu és Pedro e desta pedra derivarei sufixalmente (num sufixo de diminutivo) uma pedrinha."
Que seja hoje, então, dia de declarar: Pedro é meu pai e que bom!"

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

LEITURA DE "LES FLEURS DU MAL" A DOIS

Mon âme ou mon amée?
Desde que eu te ame,
o som tanto faz.
Sob este ditame, 
flui a vida em paz.

(Baudelaire, merci
pela tua rima
que ficou lá em cima. 
Vou parar aqui.)

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 19 de agosto de 2014

POETAS DA ESCOLA



A Olimpíada de Língua Portuguesa - tema: O Lugar Onde Vivo -, na Escola Maria Aparecida S. Torres, em Araucária, foi um sucesso. Alunos despertando para a leitura da poesia, pequenos poetas despertando na Escola. A sensibilização para o gênero se manifestou tanto através da produção dos textos, quando através dos livros de poesia que alunos faziam questão de mostrar que estavam lendo, que haviam emprestado na biblioteca. Valeu! Veja aqui os textos que subiram ao nosso podium.




O LUGAR ONDE VIVO

O lugar onde vivo
Tem o Seu Adão
Que sai cedinho para vender seu pão
Minha mãe logo cedo compra dele então

O Seu Adão tem os seus problemas
Ele não gosta que jogue bola nas suas roseiras
Ele também não gosta que jogue bola no seu quintal
E faz você ouvir o Sidney Magal

O Seu Adão toma muito chimarrão
Ouvindo música clássica ele toma de montão
Meu pai joga papo fora com o Seu Adão
Ficam se divertindo até de noite falando do timão

Quando ele vende todos os pães
Volta cantando uma canção
“Hoje eu ganhei um dinheirinho
Ia, ia, ou!”       (Murillo Matiak – 6ºE)




TERRA DE QUÊ?

Terra de pinheiros
Mas não de coqueiros
Terras de laguinhos
Para criança brincar
Mas não de mar
Para criança se afogar
Terra de estátuas
Mas não de Cristo
Mas não ligue
Pois eu não me importo com isso

O lugar onde eu vivo
É como minha casa
Não é pobre
Não é nobre
Mas pense com sabedoria
É aqui que vivo com minha família

Aqui é terra de pinheiro
Pinheiro que dá pinhão
Que vai direto pro meu barrigão

Já adivinharam onde eu moro?
Então eu vou assoprar
- Araucária!
Aqui é o lugar onde
O céu namora o chão
E as estrelas me namoram
Aqui minha vida é boa
Minha vida é perfeita!   (Cauany - 6ºE)



Onde moro

Um passo, um espirro, uma risada?
Nada, não se ouve nada!
Um latido ou choro?
Nada, não se ouve nada!
Só se ouve o sopro do vento...
A escuridão engole a paisagem,
Casa por casa, baixa ou alta.
Para completar chega a chuva
E se ouve, BLAC, BLAC, é a água
Cai dos telhados pingando no chão.
Olho na janela, a paisagem é um deserto
Vazio e coberto pela escuridão.

Mas, por fim, bem longe se vê uma luz.
É o sol querendo aparecer!
Ouve-se um portão abrindo...
 É o meu vizinho saindo para trabalhar.
Ouve-se agora  passos, espirros, risadas?
Sim! Tudo volta ao normal.
Sinto cheiro de pão assado.
É a padaria aqui ao lado.
Sinto cheiro de Quiboa
É a vizinha lavando roupa.
Sinto cheiro de tinta.
Vem da outra casa vizinha.

Meio dia é uma correria.
Tem carrinho de tudo:
Sorvete, creps, sonho, bombom, pastel...
E depois escola, amigos, livros...
E o sol se vai.
Amo tudo, do começo ao fim.
Meu dia, minha rua, meu bairro, minha cidade.
É, amo Araucária,
Cidade símbolo do Paraná!
Amo viver aqui
À sombra dos muitos pinheiros
Junto com minha família
Perto dos meus amigos
E ouvir seus passos, risadas, espirros...
Até mesmo o silêncio da noite.
Isso é lar, meu lugar! (Rafaella - 6ºC)




domingo, 17 de agosto de 2014

EXTREMOS DA PAIXÃO - CAIO FERNANDO ABREU

Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou “o que foi?” – perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor – essa pessoa – continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo – porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.
Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: “Se você não me amar, eu matarei o presidente”. E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George – se não houver algo de publicitário nisso – é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.
No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira: compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.
Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolo sem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: “É para você, para você que eu escrevo” – dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.
Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que – se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor – depois do não, depois do fim – reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.
Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa – muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, “o amor car(o,a,) colega esse não consola nunca de núncaras”. E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.

ÀS SETE FACES DE CARLOS

 asminhocas.wordpress.com

 cargocollective.com

Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


Carlos Drummond de Andrade
blogdoricricardo.blogspot.com

sábado, 16 de agosto de 2014

A CAROLINA - MACHADO DE ASSIS

Querida! Ao pé do leito derradeiro,
em que descansas desta longa vida,
aqui venho e virei, pobre querida,
trazer-te o coração de companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
que, a despeito de toda a humana lida,
fez a nossa existência apetecida
e num recanto pôs um mundo inteiro...
Trago-te flores - restos arrancados
da terra que nos viu passar unidos
e ora mortos nos deixa e separados;
que eu, se tenho, nos olhos mal feridos,
pensamentos de vida formulados,
são pensamentos idos e vividos.



sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A CENTÉSIMA POSTAGEM DO PUXADINHO

      Esperou-se algum tempo para fazer esta postagem, nossa centésima. Postou-se tanta coisa até aqui... E a gente gosta de todos os nossos posts, a esmagadora maioria com pouquíssimas visualizações... Mesmo assim a gente insiste e podemos até desativar perfis pessoais, sair de circulação por uns dias, mas o Puxadinho, mesmo às moscas, continua aberto. 
      Escolhemos para este post de número 100 uma citação inusitada: alguém respeitosa e veementemente torcendo o nariz para Machado de Assis. Ninguém, ninguém menos que Lima Barreto. Afonso Henriques sempre foi e é muito comparado a Joaquim Maria. Em vida isso deve ter aborrecido bastante o criador de Policarpo Quaresma... Embora apreciemos bastante sua produção, nosso coração e nossa mente pendem totalmente para Machado, tanto para sua obra, quanto para a maneira como conduziu sua vida. 
      Num belíssimo texto, no qual compara os dois escritores e do qual extraímos a inusitada citação, Lúcia Miguel Pereira os aproxima inúmeras vezes não deixando de apontar as muitas diferenças que formaram abismos aparentemente intransponíveis entre os dois. Em sua última consideração, a crítica literária aponta a grande razão pela qual podemos dizer que ambos foram/são 'da mesma cepa': "Mas se as posições diferem, os temperamentos literários pertencem à mesma família - à dos analistas, dos que não se deixam embair, dos que querem descobrir o que se esconde por detrás das aparências."

Obs.: Poder falar sobre os dois, sobre suas obras e ler seus textos em sala é uma das maiores satisfações de um professor de literatura.